As propostas de um "Estado de Bem Estar" vinham sendo gestadas desde o início deste século em função das crises cíclicas da economia capitalista, e ganha maior fôlego após a grande crise do capital em 1929.
Após a II guerra mundial, verifica-se portanto uma situação de disputa entre os dois modelos - o neoliberal e o welfare state - por qual hegemonia econômica iria se impor ao mundo, a partir dos países desenvolvidos. Neste quadro, o partido trabalhista inglês vence as eleições em 1945. Partidário de uma política econômica que contemplasse as questões de ordem social e uma economia regulada pelo estado, sua alçada ao centro de poder na Inglaterra, contribui decididamente para o arquivamento das propostas de Hayek. Assim, as propostas de um Estado de Bem-estar se tornam hegemônicas na Inglaterra, contribuindo decididamente para que as idéias reformistas em curso naquele país tenham adesão nos demais países, criando uma hegemonia mundial em torno desta política.
Para falar das Organizações Sociais e gestão dos equipamentos públicos de saúde, como é a proposta do Ministério da Administração e Reforma do Estado, é necessário recorrermos aos seus antecedentes para visualizar o cenário e as forças políticas implicadas na questão. Neste texto, discutimos primeiro as origens contemporâneas do projeto neoliberal que datam da década de 40, no período imediato do pós guerra. Após disputar a hegemonia do modelo econômico, na retomada do desenvolvimento nos países centrais, e ser derrotado neste propósito, pelo fato dos dirigentes da época haverem optado pelo modelo keynesiano, a proposta neoliberal entra numa fase de "latência" e ressurge com força na década de 80. Neste período, ganha fôlego suficiente para hegemonizar as políticas públicas nos países desenvolvidos e em efeito dominó, na periferia do capitalismo.
O Brasil foi um dos últimos países da América Latina a adotar o receituário neoliberal ditado pelos países desenvolvidos e agências internacionais de financiamento e fomento do desenvolvimento. Esse atraso pode ser considerado pela efervescência política da década de 80, onde as forças democráticas e populares disputavam projetos próprios para os rumos do país, com razoável inserção social. Na década de 90, as propostas de desregulamentação econômica e redução do estado se viabilizam, por fatores que vão desde as pressões geradas a partir da globalização da economia até uma dada conjuntura política interna que altera a correlação de forças e coloca no centro do poder, grupos favoráveis e até mesmo subservientes ao capital internacional.
A Reforma Administrativa do Estado, é uma pequena fatia do universo neoliberal no qual vivemos e que tomou conta da vida nacional. O que se pretende aqui, é a adaptação da gestão do estado à concepção de "estado mínimo", onde suas funções se restringem àquelas ligadas aos negócios jurídicos, de segurança e administração próprias do governo. A reforma administrativa para o setor saúde, pode-se concluir, não saiu da cabeça iluminada de alguns burocratas de plantão no palácio, é a materialização da proposta neoliberal que se tem para o país, direcionada então para a mercantilização do setor saúde.
A Reforma Administrativa na saúde, esbarra num grande obstáculo: a legislação do Sistema Único de Saúde, que foi obra coletiva, conquistada na Constituição Federal por um poderoso movimento popular na década de 80. O SUS conta com grande audiência junto à população. Princípios como universalidade de acesso, integralidade das ações, equidade e municipalização da saúde, foram apropriadas pelo imaginário popular. Por estes motivos, evitando um confronto direto e de conjunto, as reformas no setor saúde vêm tangencialmente. A criação da figura das Organizações Sociais - OS - joga em dois sentidos. De um lado, tenta dar aparência de uma proposta com uma faceta "popular", quando admite que qualquer Organização não Governamental - ONG - ou Associação de Usuários, pode se habilitar a assumir um estabelecimento de saúde, desde que seus estatutos estejam adequados aos critérios impostos pela Medida Provisória que cria as OS, inclusive constem que estas entidades "não têm fins lucrativos", mas por outro lado, a proposta é clara ao definir que estas entidades são de "direito privado". A natureza privada das OS define seu caráter e abre a possibilidade de maior participação portanto, do setor privado na gestão da saúde.
A Medida Provisória que cria as OS é de outubro de 1997, estando ainda recente, suas repercussões só se farão sentir no decorrer de 1998/99. No entanto, já é notório que a proposta terá impacto efetivo pois são várias entidades hospitalares públicas que já na primeira hora buscaram se habilitar à gestão de uma Organização Social. Procuramos ao final, discutir as possíveis repercussões junto ao Sistema Único de Saúde da implementação desta proposta. Como parâmetro para discutir esta questão, utilizamos os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, e agregamos aos referenciais do SUS, a visão de um modelo assistencial que idealmente procura se articular a partir de alguns princípios, que colocam como principal objetivo do sistema, a resolução dos problemas de saúde, a partir das necessidades do usuários. Em resumo, agir em defesa da vida, acima de tudo, numa perspectiva usuário centrada. Esses parâmetros não são apenas teóricos, têm referências também em evidências empíricas de gestão e assistência que foram implantadas por diversos municípios nos últimos anos. Ao final, ficam claros os limites das Organizações Sociais para a construção de um sistema de saúde com base nos princípios declarados pelo SUS.
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